Renato Raposo. Foto: Brenda Alcântara/DP/D.A Press |
Existe um conceito, stakeholder, que é uma corruptela do shareholder - que são os acionistas de uma empresa. A definição de stakeholders são todos os grupos que têm interesse ou são impactados pelas atitudes de uma empresa. Essa nova comunicação corporativa vem também de um novo paradigma de empresa, uma concepção de empresa que não é mais a usual, digamos assim. No século 20, a primeira resposta que vinha à cabeça das pessoas quando se perguntava a função de uma empresa era dar lucro. Hoje eu acho que é gerar riqueza. Lucro é a riqueza gerada para os acionistas, mas as empresas geram riquezas para diversos outros públicos: para os fornecedores, em termos de negócios, para os funcionários, em termos de salário. E esses são os stakeholders, digamos, primários, da esfera econômica, mas também geram do ponto de vista social, em forma de impostos para o governo, que geram investimentos para a sociedade. Ampliando ainda este alcance, pode gerar riqueza para as comunidades do entorno e até para o meio ambiente. Nessa perspectiva, a empresa é algo muito maior do que aquela que simplesmente pensa no lucro. E geração de riqueza também vai muito além da riqueza econômica. Normalmente, a gente pensa no capitalismo como algo de competição, mas visto dessa maneira o capitalismo é um sistema de relações, de benefícios mútuos e de longo alcance. Em uma perspetiva mais contemporânea, ampliada, de empresa, o capitalismo pode ser entendido como um sistema de colaboração bastante amplo. O desafio está, primeiro, em fazer com que mais empresas cheguem nesse patamar de atuação, de ética empresarial e comunicar isso aos diversos stakeholders: comunidades do entorno, sociedade, governo, academia, enfim, são diversos públicos impactados por sua atividade e é muito nisso que venho trabalhando ultimamente.
Pode-se dizer que há um envolvimento crescente das empresas nesse sentido?
Certamente. Hoje existe um padrão internacionalmente aceito de relatórios não financeiros que seguem uma estrutura adotada por uma ONG, a Global Reporting Initiative (GRI). Mais da metade das 500 maiores empresas do mundo, segundo a Forbes, fazem esse relatório. No mundo já são milhares fazendo e essas empresas juntas devem representar uma parte significativa do PIB mundial. É crescente esse movimento e tem uma dimensão importante que é o entendimento das empresas do seu papel de transformação da realidade. Muito mais do que os indivíduos e, talvez, mais do que os governos. É nessa perspetiva que as empresas estão migrando para essa nova ética de atuação, de comportamento empresarial. Imagine, por exemplo, um grupo como o Walmart, o Bompreço aqui. É uma empresa que decidiu, mundialmente, trilhar um caminho verde. Imagine o que uma empresa que tem um milhão de funcionários no mundo pode fazer promovendo mudanças neles, nos pequenos hábitos. O que uma empresa desse tamanho pode fazer se decide repactuar com sua cadeia de fornecedores, seus valores. É um impacto brutal. Uma vez fiz um trabalho para a Cofra, que é a holding da C&A, que tem uma linha de roupas de biocóton. Para receber o selo de biocóton, cada etapa da produção precisa ser sustentável. Por exemplo, a pessoa que planta o algodão, tem que fazer isso sem agrotóxicos, ter cuidados específicos com o solo. O atravessador, que compra esse algodão, tem que praticar a teoria do comércio justo e uma série de outros requisitos, a maneira como usa o corante, não descartar a água que não tenha sido tratada, as embalagens e, assim por diante, em toda a produção. Imagine isso multiplicado por milhões e você tem ideia da mudança que isso promove. Isso do ponto de vista ambiental. Do ponto de vista social, a indústria da moda, por exemplo, também tem uma atuação importante. Existe nessa cadeia de produção uma quarteirização imensa. Quer dizer, a pessoa que fornece determinada roupa para a C&A, por exemplo, contrata dezenas de mulheres, pequenas costureiras, que vão, por exemplo, costurar os botões. Nesse setor, historicamente, há problemas de direitos humanos, trabalho escravo, trabalho infantil. A C&A criou uma auditoria de fornecedores para garantir que, na casa de uma costureira, os filhos dela não trabalhem para ajudar a mãe. Isso tudo tem realmente um impacto.
O governo poderia estimular mais?
Sem dúvida. O governo tem um duplo papel na perspectiva da sustentabilidade. Por um lado ele é regulador e por outro é também um agente econômico, por meio das estatais, das empresas de capital misto e até mesmo como empregador. Existem algumas leis no âmbito federal e em alguns estados que são importantes. Recentemente, a gente teve a publicação da Lei de Resíduos Sólidos, que é um avanço notável para o Brasil. Tem uma história interessante. Às vésperas da Conferência de Copenhague, em 2009, o Brasil estava indo com uma postura, digamos, bastante conservadora e algumas entidades da sociedade civil mobilizaram empresas para que elas assumissem metas voluntárias de redução de emissão de gases causadores do efeito estufa. A adesão foi tão boa que publicaram uma carta aberta pelo clima e marcaram uma audiência com o então presidente Lula. Levaram a carta a ele na intenção clara de dizer “presidente, pode ousar nas metas, que garantimos a retaguarda”. E assim foi e trechos inteiros da carta foram parar no documento de posicionamento oficial do Brasil na conferência e o país teve papel de destaque pelas metas de redução que assumiu. Esse é um caso de como a sociedade civil, iniciativa privada e governo podem se articular para gerar impactos positivos. Outro caso fantástico é o do pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo. Na soja, por exemplo, pode-se dizer que não há trabalho escravo no Brasil. Pode parecer uma coisa trivial, mas tem que ter em mente que as multinacionais que produzem soja são as mesmas no mundo todo e, digamos, que a erradicação só se deu aqui. O resto no mundo não acompanhou porque é um arranjo de forças: Polícia Federal, Ministério Público, Ministério do Trabalho. É um caso notável e um feito nosso.
Quais são as dificuldades para que isso seja mais disseminado e mais empresas adotem essa postura?
Eu acho que sustentabilidade é dar bom dia para as pessoas e essa discussão ainda não conseguiu ser assimilada. A linguagem ainda é muito técnica, é preciso que os comunicadores preencham essa lacuna. É um desafio grande, transformar esse conteúdo em uma linguagem corriqueira, mais fácil. Esse é um aspecto, mas também acho que falta lei. A Lei de Licitação (n° 8.666), por exemplo, é insustentável. O governo continua sendo no Brasil um agente econômico importante e quando ele prioriza, por exemplo, preços em pregões eletrônicos, ele desconsidera totalmente os outros aspectos da produção. E produzir de maneira sustentável não necessariamente representa o melhor lucro.
Também é uma forma de valorar a empresa?
Com certeza. Não só do ponto de vista do mercado, mas além do acesso ao capital, a marca do empregador é extremamente impactada por ações desse tipo. Essas empresas têm, certamente, menos esforço para reter seus talentos do que uma empresa de má reputação. Cada vez mais os funcionários valorizam um comportamento ético e, se a empresa tem má reputação, na primeira oportunidade, mesmo sem ganhar mais, ele vai mudar rapidamente. Esse tipo de comportamento custa muito para uma empresa.
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