BnR. Mais de 700 famílias de volta à miséria só em Bauru

Segundo a Sebes, a maioria tinha ascendido socialmente e, com a crise e a perda de empregos, voltou a precisar de ajuda para necessidades básicas

Claudinei se emociona. Tem dias em que eu sento na porta de casa e choro. De desespero, mesmo


Tem dias em que eu sento na porta de casa e choro. De desespero, mesmo. A gente tenta de tudo, todo dia, mas não encontra nada", lamenta Claudinei da Silva Salvador. Aos 29 anos, com pensão de dois filhos para pagar todos os meses e uma nova família para ajudar a sustentar, o que Claudinei tenta é encontrar emprego. Qualquer emprego.
Segundo ele, a peregrinação com currículo nas mãos tem sido infrutífera ao longo do último ano, desde que perdeu o serviço em que tinha carteira assinada. Para piorar, há um mês, sua companheira, Luana Tibúrcio de Oliveira, 21 anos, também foi demitida da empresa em que trabalhava como auxiliar de limpeza.
Assim como o casal, ao menos 722 famílias voltaram à condição de vulnerabilidade em Bauru no último ano devido à crise econômica brasileira, que elevou o custo de vida e fechou milhares de postos de trabalho na cidade. Segundo dados da Secretaria Municipal do Bem-Estar Social (Sebes), o registro do Cadastro Único (CadÚnico) - que engloba os dependentes de auxílio municipal, estadual ou federal para sobreviver ou minimizar a precariedade de suas condições - subiu de 40.166 para 40.888 famílias entre junho de 2015 e junho de 2016.
Ao todo, elas somam 100.368 pessoas. "O acréscimo deste ano é de famílias que já estavam chegando a uma condição de emancipação, que tiveram alguma ascensão social, mas, agora, com a perda de emprego e renda, tiveram um retrocesso e voltaram a precisar da rede de assistência para atender a necessidades básicas", pondera a titular da Sebes, Darlene Tendolo.
Somente no Centro de Referência da Assistência Social (Cras), foram realizados 2,5 mil atendimentos a mais em 2016. Entre outras coisas, esta rede de atenção básica é responsável por fazer a distribuição de gêneros alimentícios, prestar orientação sobre como preparar um currículo e providenciar o encaminhamento para atividades de capacitação profissional e inclusão em programas de transferência de renda. A elevação, segundo a Sebes, foi de 36.226 atendimentos ao longo do primeiro semestre do ano passado para 38.729 no mesmo período de 2016.
'SÓ SUFOCO'

Sem trabalho, Inercides Maria dos Santos depende da ajuda dos filhos para poder sobreviver
Darlene diz que a pasta tem se esforçado para, dentro de uma realidade de cortes orçamentários, dar conta desta demanda ampliada. "Faz tempo que estamos em contenção de despesas, mas continuamos recebendo recursos dos programas em parceria com os governos estadual e federal. Estamos sempre atentos e, com planejamento, conseguimos amparar nos atendimentos e continuar qualificando nossos profissionais", comenta.
O "jeitinho" que, por vezes, o poder público precisa encontrar é uma realidade cotidiana dos cidadãos que perderam sua fonte de renda. Como trabalhador rural e auxiliar de limpeza, Claudinei e Luana ganhavam, juntos, cerca de R$ 2 mil por mês até o ano passado. Agora, passaram a depender de ajuda de parentes para garantir as refeições deles e da filha de dois anos. 
"Não sou de recusar serviço. É que está difícil demais. A gente fica sem saber o que fazer. Vou pegar uma arma e sair roubando as pessoas? Não. Então, eu saio recolhendo latinha. Mas não rende, dá R$ 2,70 o quilo. É só sufoco", relata Claudinei, com o rosto umedecido por lágrimas. 
Segundo Luana, o aluguel da casa em que moram, a aquisição de alimentação mínima para sobrevivência e a pensão de R$ 264,00 dos filhos da primeira união de Claudinei estão sempre entre as prioridades do casal, quando conseguem arrecadar algum dinheiro. Mas, nos momentos de extrema dificuldade, eles acabam recorrendo à ajuda dos irmãos. "O tempo todo é conta chegando para pagar, as coisas dentro de casa acabando e a gente tem de se virar para não passar fome", lamenta. 
Em um ano, Bauru fecha 7 mil postos de trabalho
Em apenas um ano, foram "extintos" 7.260 postos de trabalho com carteira assinada em Bauru, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. No saldo acumulado entre julho do ano passado e junho deste ano, os setores que mais influenciaram a queda são, pela ordem, o de serviços, indústria, construção civil e comércio.
As estatísticas, segundo a ativista Rose Lopes, coordenadora da Casa da Sopa da Vila Dutra, são sentidas na pele diariamente por dezenas de famílias que vivem na região atendida pela entidade. "Muitas, que antes nos auxiliavam com doações, agora estão precisando de ajuda. Nossa demanda aumentou mais de 100% no último ano. Atendíamos uma média de 200 famílias, número que saltou para 540", revela.
Os pedidos, ela diz, vão desde gêneros alimentícios, até fralda, itens de higiene pessoal e medicamentos. "A maioria entrou nessa situação por desemprego e a consequente dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho. O que consegue de bico é para pagar contas, coisas básicas. É uma situação que ocorre não apenas na Vila Dutra, mas na cidade toda", completa.
Um exemplo é o Jardim Niceia, onde vive a faxineira Inercides Maria dos Santos, 61 anos. Desempregada há cerca de três anos, ela não tem perspectivas para se aposentar, já que não contribuiu para a Previdência durante quase toda a sua vida.
"E, nessa idade, fica difícil alguém chamar para trabalhar. Já entreguei currículo em várias empresas para auxiliar de limpeza e nada", reclama. Buscando saídas, no ano passado ela chegou a instalar um trailer na varanda de casa para vender doces industrializados. Mas o negócio, dependente de uma clientela também sem recursos, não vingou.
Agora, conta com a ajuda dos filhos - um que possui necessidades especiais e recebe o benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e outra já adulta, que já não vive com a mãe. "Vou empurrando com a barriga, comendo e vivendo com tudo o que é mais simples e barato. Assim, consigo garantir o básico para viver", observa.
Fome de doer
Após perder o emprego e o marido morrer, Camila Barros busca no crochê uma alternativa de renda
Com apenas 23 anos, Camila Barros tenta encontrar nas tramas de suas peças de crochê uma saída para superar o dolorido ano de 2016, que ela pretende, um dia, conseguir deixar no passado. Em março, a jovem foi demitida da fábrica de massas em que trabalhava como vendedora. Um mês depois, perdeu o marido, vítima de infecção hospitalar.
Desde então, entre a superação do luto e um turbilhão de incertezas, tem batalhado para manter os dois filhos, de 4 e 2 anos de idade. "Fiquei sozinha e desempregada, então comecei a fazer crochê, porque emprego, mesmo, está muito difícil", diz, repetindo a constatação feita por todas as pessoas ouvidas pela reportagem.
Camila diz que a renda obtida com as peças que ela confecciona e as doações que recebe do Cras e da Pastoral da Criança, muitas vezes, não são suficientes para garantir o sustento básico das crianças. Como exemplo, ela relembra o episódio de algumas semanas atrás, em que o filho mais velho revelou que a fome estava lhe causando dores na barriga.
"Tive que pedir comida na vizinha. Vez ou outra, também bato na porta das casas de outros bairros, onde as pessoas têm mais condições. E assim a gente vai seguindo".

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