A pedido do Correio, especialistas em segurança apontam causas e saídas para o problema
A crise de segurança no Espírito Santo coloca em debate a dependência dos estados em relação à polícia. Com o movimento de aquartelamento da Polícia Militar, resultante dos protestos de parentes em frente aos batalhões, praticamente todos os serviços públicos pararam nas cidades afetadas. Escolas, postos de saúde, academias e o comércio em geral fecharam assim que os crimes começaram a ganhar espaço nas ruas. Na opinião de especialistas, a solução passa por uma mudança geral no modelo de gestão das polícias e na forma de tratar a segurança pública.
Cassio Thyone, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lembra que o problema vai além dos protestos de policiais no Espírito Santo. Mais de 60 mil pessoas morrem por ano no país e o custo da violência chega a R$ 258 bilhões, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. “A primeira questão que surge é o motivo de tantas crises. Manter a sociedade segura é papel do governo dos estados, em conjunto com a União. A crise em território capixaba, por exemplo, revela uma ineficiência em gerir a segurança”, ressalta.
A Polícia Militar tem o maior contingente entre as forças de segurança pública e são subordinadas às unidades da Federação. Segundo o Ministério da Justiça, são 413.920 mil homens. A pasta tem sob sua responsabilidade a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Força Nacional de Segurança Pública, também capazes de atuar para garantir a segurança. Apesar de a função principal ser combater crimes de trânsito e ocorrências em rodovias, em Vitória, a PRF realizou prisões, apreensões de armas, drogas e até evitou homicídios.
Já a Força Nacional, criada em 2004, tem a missão de atuar em situações de distúrbios urbanos e ameaças à segurança. Com sede em Brasília, a corporação conta com cerca de 1,5 mil homens fixos, que estão deslocados para conter a violência no Espírito Santo, Roraima, Amazonas — por causa do caos no sistema penitenciário — e foi solicitada pelo governo do Rio de Janeiro.
Para o ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência da Universidade de Brasília (UnB), Arthur Trindade, o governo está refém da Polícia Militar e o fato de os militares não poderem fazer greve aprofunda o problema. “As polícias têm reivindicações normalmente justas. Reajuste salarial, plano de carreira, trabalho precário. A legislação brasileira diz que essas polícias têm status de militar, isso os coloca dentro da categoria e da previdência especial, mas têm contrapartidas. Eles não podem se sindicalizar e não podem parar.”
Trindade destaca que, mesmo assim, eles encontram formas de pressionar os governos. “Isso ocorre de forma disfarçada. Desta vez, foi o teatro de que as esposas não os deixavam sair. A ausência de sindicatos prejudica a negociação. Pela greve ser ilegal, ela não pode ser regulada pela Justiça do Trabalho e, por isso, ao contrário de outras categorias, eles não são obrigados a manter 30% do efetivo na rua”, alerta o professor.
A União Nacional dos Policiais do Brasil (UPB), associação criada por diversas instituições policiais, organiza protestos e medidas contra a inclusão de policiais civis, militares e federais na reforma da Previdência Social que tramita no Congresso. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Luis Boudens, integrante da UPB, afirma que as manifestações estão ligadas às mudanças na aposentadoria militar. “A aposentadoria policial é a única distinção em relação às outras profissões. A atividade de risco é própria do trabalho. A expectativa de vida é bem abaixo dos demais brasileiros e o governo pensa em tirar direitos. Trabalhamos com a hipótese de uma revolta nacional que pode resultar em muitos problemas para a sociedade”, alerta.
Soluções
Especialistas destacam vários caminhos para solucionar o problema das polícias e o primeiro deles — consenso entre todos — é a valorização. “Esses profissionais precisam ser bem tratados, treinados, ter bons salários, carga horária decente e condições de trabalho dignas. O principal problema é que os governos ainda não perceberam a importância de se dar qualidade aos policiais em um país violento como o nosso. Querer cuidar da segurança pública sem cuidar da polícia é igual a construir um hospital que só tem aspirina”, comenta José Vicente Silva, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário Nacional de Segurança.Uma das preocupações, especialmente em momentos de crise, é a tendência natural de que surjam ideias oportunistas, com soluções fáceis para um problema histórico. “Não existe solução fácil. Nessas horas, levantam a questão da unificação das polícias, da desmilitarização, mas é tudo muito raso e sem sentido. Nada se resolverá enquanto os governos não tratarem os policiais como cidadãos portadores de direitos. Eles precisam parar de jogar a Constituição na cara deles e sentar para conversar, negociar”, comenta Marcelle Figueira, pesquisadora em segurança pública e professora da Universidade Católica de Brasília.
Uma das sugestões é o investimento em política de saúde mental específica para a categoria. Segundo Marcelle, essas instituições não estão preparadas para lidar com esse tipo de enfermidade e não há acompanhamento adequado. “Tem muitos policiais doentes com armas nas mãos nas ruas. Pessoas estressadas, depressivas, alcoólatras, dependentes químicas vivendo situações de altíssimo estresse. Isso coloca a vida deles e de outros em risco”, conclui.
Memória
Impunidade
Com um movimento iniciado na Polícia Militar de Minas Gerais, uma onda de paralisações tomou conta do Brasil, nos meses de junho e julho de 1997, e se expandiu para outras 12 unidades da Federação: Pará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Foi o primeiro e o maior movimento paredista da história da corporação, que reivindicava melhores salários e condições de trabalho. O movimento levou caos à população, que sofreu com o aumento da violência, roubos e homicídios. Apesar de ser crime, previsto no Código Penal Militar, com punições que chegam até a expulsão, o Congresso Nacional já aprovou, desde então, duas leis — em junho de 2016 e em janeiro de 2010 — que anistiaram policiais e bombeiros militares por terem participado de movimentos grevistas.
Com um movimento iniciado na Polícia Militar de Minas Gerais, uma onda de paralisações tomou conta do Brasil, nos meses de junho e julho de 1997, e se expandiu para outras 12 unidades da Federação: Pará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Foi o primeiro e o maior movimento paredista da história da corporação, que reivindicava melhores salários e condições de trabalho. O movimento levou caos à população, que sofreu com o aumento da violência, roubos e homicídios. Apesar de ser crime, previsto no Código Penal Militar, com punições que chegam até a expulsão, o Congresso Nacional já aprovou, desde então, duas leis — em junho de 2016 e em janeiro de 2010 — que anistiaram policiais e bombeiros militares por terem participado de movimentos grevistas.
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