Parlamentares prometem acelerar tramitação de projetos que preveem, entre outras medidas, redução da superlotação. Para especialista em Código Penal, o problema maior está na falta de cumprimento das leis existentes
Com a autoridade de quem comandou a comissão que propôs o anteprojeto do Código Penal em 2012, o jurista Gilson Dipp não enxerga no horizonte qualquer solução que possa resolver a médio prazo a situação dos presídios e não poupa ninguém quando o assunto é o sistema penitenciário brasileiro. O poder público e a sociedade, em todas as esferas, são culpados do caos reinante nos presídios. Em conversa com o Correio, Dipp distribui a tragédia nas mãos do Executivo, que não proporciona recursos ao sistema; do Judiciário, que não investe em varas de execuções penais de excelência; e, para completar, do Legislativo, que demora a apreciar projetos — e olha que, nesse pacote, ele não coloca a proposta que modifica a Lei de Execuções Penais: “A Lei de Execuções Penais é moderna. Não precisa ser modificada. Precisa é ser cumprida”.
Como exemplo de algo que não é cumprido na atual legislação, Dipp cita o tamanho das celas: “Você já viu alguma penitenciária destinar 6m² por preso? E quanto aos governadores, já viu dar prioridade a presídios? Preso não dá voto. Nenhum deles quer se desgastar mudando o sistema carcerário. Assim, as facções tomaram o poder que era do Estado. Os estados não investem em agentes penitenciários, psicólogos, assistentes sociais. O Judiciário também fica inerte, hoje quer prender como se a privação de liberdade fosse a única maneira de punir”, diz. O Ministério Público também não ficou de fora do giro do descaso feito por Dipp. “O MP vai atrás de qualquer prefeitinho do interior que tenha cometido uma improbidade, mas não faz o mesmo com o descaso reinante nos presídios.”
Quanto ao Executivo, Dipp, como destacou o Correio durante a semana que passou, limita-se a lançar pacotes quando surgem as rebeliões. “Se houvesse um trabalho consistente do Estado, as facções teriam menos condições de se expandir. Mas, como não há esse trabalho, todas as vezes que tem uma convulsão social e não se sabe como resolver, faz-se um pacote requentado, que não será cumprido, como outros também não foram”, afirma, e acrescenta: “Parece até o nosso Pacotão do carnaval, que sai todos os anos”, diz o jurista, comparando o irreverente bloco carnavalesco de Brasília com os sucessivos planos nacionais de segurança lançados nos últimos 18 anos.
Diante de um problema sem solução, o que se vislumbra para ação mais urgente, depois do lançamento do Plano Nacional de Segurança, é uma reunião do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, com os secretários estaduais daqui a nove dias para tratar do sistema prisional. O encontro será 17 dias depois do primeiro massacre do ano, no Amazonas, estado onde mais cinco detentos foram executados na madrugada de ontem. O ministério informou ainda que Moraes autorizará o envio de tropas federais a estados que precisarem de ajuda para conter as rebeliões.
Da parte do Legislativo, os parlamentares prometem dar prioridade justamente ao que Dipp considera desnecessário: a mudança na Lei de Execuções Penais. O relator do projeto, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), afirma que pretende colocar a proposta a votos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) do Senado antes mesmo do carnaval. “Nosso trabalho foi todo feito de acordo com o que sugeriram os especialistas”, diz Eunício.
No Congresso, pelo menos 13 propostas que poderiam melhorar as condições dos presídios brasileiros estão paradas, incluída aí a tal Lei de Execuções Penais à qual Eunício promete dar celeridade. As mudanças estão travadas desde agosto de 2016 na CCJC. Entre as 200 alterações que o projeto prevê, há algumas que deveriam ser feitas sem precisar de lei. Por exemplo, um mutirão para verificar as condições dos detentos, todas as vezes que um presídio atingir a capacidade máxima de acomodação. A proposta prevê ainda medidas como inspeções do Ministério Público Federal e incentivos ao estudo e à contratação de presos para reinserção na sociedade. A penitenciária fica destinada somente ao condenado à pena de reclusão, ficando vedada a presença do custodiado provisório, aquele sem sentença. O texto concede um prazo de quatro anos para o fim das carceragens em delegacias de polícia.
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