BnR. Especialistas não acreditam em mudanças abruptas entre Brasil-EUA.

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Contudo, personalidade imprevisível do novo líder e discurso protecionista preocupam e merecem acompanhamento atento dos parceiros latino-americanos

O mercado demonstrou tranquilidade com a troca de governo nos  Estados Unidos. Passado o susto do resultado das eleições em novembro, as expectativas se acomodaram e as apostas são
que o 45º presidente norte-americano, Donald Trump, assumirá uma postura mais moderada do que a adotada durante a campanha, apesar de defender o protecionismo e atacar países estratégicos para o comércio global, como a China. O governo de Michel Temer também comprou essa visão e demonstra otimismo com as relações bilaterais.



O reflexo dessa confiança pode ser medido pelo câmbio, que apesar do repique com o resultado das urnas, mostrou certa estabilidade. Logo após o resultado das eleições dos EUA, em novembro passado, o dólar passou de R$ 3,10 para R$ 3,44, mas voltou a cair em dezembro e, ontem, ficou em R$ 3,18, com a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&F Bovespa) em alta. “Eu confesso que acreditava que o mercado fosse reagir de forma mais negativa, com o dólar na casa de R$ 3,50, mas isso não aconteceu. Acredito que outras forças estão se sobrepondo a Trump. Talvez o Congresso possa freá-lo”, avaliou o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

“Ninguém sabe exatamente o que o Trump vai fazer. O grande medo, no entanto, é se ele aumentar muito os gastos públicos como vem prometendo, pois isso pode pressionar a inflação, e, como consequência, o Federal Reserve (o banco central dos EUA) poderá elevar os juros além do que é projetado pelo mercado. Isso mudará o fluxo do capital todo para lá, algo ruim para os mercados emergentes, principalmente, para o Brasil”, comentou o economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners. “Por enquanto, o risco Trump não está alto, mas ele precisa ser considerado”, disse.
Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora, lembrou que essa acomodação no câmbio teve uma “mãozinha” do Banco Central, que atuou para conter qualquer indício de volatilidade do começo da semana. “O BC acabou tranquilizando o mercado ao anunciar que vai iniciar a rolagem dos contratos de swap que vencem em fevereiro assim que o dólar começava a subir com a aproximação da posse de Trump”, disse. Segundo a autoridade monetária, R$ 6,431 bilhões vencem a partir do dia 1º de fevereiro, mas não há um compromisso de que 100% desses contratos serão renegociados. Assumindo essa hipótese de rolagem do volume todo, o estoque ficaria estável em R$ 26,559 bilhões.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, ressaltou que o mercado ainda não contabilizou o risco Trump nos ativos. “Estamos apostando que o novo presidente seja mais moderado (do que seu discurso). Vamos esperar as primeiras medidas para entender o que ele pretende no governo. O congresso americano deverá ser um dos freios”, afirmou ela.

Na avaliação da economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, de Washington, o mercado brasileiro subestima a retórica de Trump. “Parece que o mercado acredita haver pessoas que podem ‘segurar as pontas’, mas a verdade é que ninguém sabe como tudo caminhará. As apostas podem estar totalmente erradas. Nesta semana, vimos muita coisa que mostra que ele não tem controle”, alertou ela, lembrando que Trump polemiza a cada mensagem no Twitter. “O mercado vai ser determinado por 140 caracteres — é assim que vai ser. E não há nada estratégico no que ele tuíta. É pura impetuosidade”, alertou.

A coordenadora do curso de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Fernanda Magnotta, também acredita que seria irresponsável dizer que não há consequência para o Brasil o novo governo dos EUA. “O mundo está interligado e a piora ou a melhora do cenário internacional também afeta países como o Brasil, para o bem ou para o mal. Certamente, haverá consequências. Num primeiro momento, elas tendem a ser indiretas”, resumiu. A acadêmica acredita que, pelo fato de os EUA serem uma democracia consolidada e Trump não ser uma unanimidade, ele precisará ser muito prudente na condução do governo. Caso contrário, lembrou Fernanda, “há mecanismos constitucionais que poderiam apeá-lo do poder se estourar algum escândalo”.

Parceiro estratégico
Os EUA são o segundo principal destino das exportações brasileiras e um dos principais compradores de produtos manufaturados nacionais, desde autopeças até aviões, ao lado da Argentina. Do ponto de vista comercial, especialistas avaliam que a retórica protecionista afetaria o mundo todo. “Se ele resolver taxar produtos chineses e entrar em uma guerra comercial, todos perderão”, avisou Monica de Bolle.

Procurado, o Ministério das Relações Exteriores apenas informou que “o Brasil continua acompanhando com atenção os acontecimentos nos EUA” e que existe “uma série de projetos e acordos com os Estados Unidos em fase de avaliação, em diversas áreas”. Um dos conselheiros de Temer, o economista Ernesto Lozardo, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), contou que o governo brasileiro não está preocupado com a troca de poder da maior potência do planeta. “Para o Brasil, essa mudança não afeta muito, a não ser que o comércio retraia mundialmente. Nesse sentido, os acordos bilaterais terão muito peso”, disse. 

Todavia, Lozardo reconhece que há riscos de um aumento do protecionismo. “A amplitude do comércio global sem barreiras e sem protecionismo é o caminho da expansão do capitalismo internacional. Quando você entra em um processo de anunciar protecionismo, você está fechando o capitalismo. E o problema com isso é a pobreza, que tende a aumentar na velocidade das restrições no comércio internacional”, apontou.

Vale lembrar que, desde o início do governo do democrata Barack Obama, em 2009, a balança comercial brasileira com os Estados Unidos se inverteu. As exportações brasileiras para os EUA estão em queda desde 2014 e somaram US$ 23 bilhões no ano passado, ou seja, 0,2% do volume que os americanos compram anualmente do resto do mundo. A professora da FAAP classifica Trump como um populista que não pode ser comparado a nenhum outro presidente norte-americano da história. Para ela, até mesmo a máxima de alguns especialistas de que um governo republicano é melhor para o comércio brasileiro do que um democrata pode não valer na atual conjuntura. “Trump é muito imprevisível”, resumiu Fernanda.

A pesquisadora Lia Valls Pereira, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), também acredita que Trump terá dificuldades para governar se mexer demais com a elite financeira americana. “Uma coisa é ele atender a questões mais políticas dos movimentos contra a imigração e promover as indústrias americanas. Mas, se Trump começar a colocar milhares de restrições às importações chinesas e colocar muita restrição na cadeia de comércio, tentando fazer o mesmo que Ronald Reagan fez na década de 1980, ele pode ter dificuldades para governar”, destacou. “O mundo hoje é muito mais interdependente. E colocar medidas protecionistas é mais complexo, mesmo com a OMC mais fragilizada”, emendou. “O mundo ainda está em catarse desde as eleições de outubro. Ainda precisamos ver os próximos desdobramentos para ter uma visão melhor do que virá”, completou.

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